sexta-feira, janeiro 04, 2013

TRADIÇÕES DO DIA DE REIS - CANTAR AS JANEIRAS

Tradições do Dia de Reis em Portugal

Cantar as Janeiras


Antigamente era hábito as pessoas cantarem as Janeiras de porta em porta. Em bonitos versos alusivos à quadra, os grupos de janeireiros percorriam as vilas e as aldeias entoando cânticos de cariz popular e religioso. Em troca, o dono da casa abria a porta com extrema generosidade e oferecia produtos caseiros que eram partilhados por todo o grupo, que também, podiam ser as sobras da festa de natal. Hoje é mais uma tradição que se tenta preservar, através de grupos de folclore, associações recreativas, escolas e igrejas.

A origem desta tradição baseia-se em costumes pagãos, como muitas outras tradições cristãs. Entre os deuses da mitologia dos Romanos, contava-se Janus, que significa deus das portas, das passagens, que as fechava e abria no regresso. É do seu nome que deriva o denominação do primeiro mês do ano, Janeiro. Daí então a tradição de cantar as Janeiras, ou seja desejar Boas Entradas, Bom Ano, como os romanos faziam ao iniciarem mais um ano saudando-se em nome de Janus, o porteiro celestial.
Sobretudo nas aldeias do Norte de Portugal, pequenos grupos de crianças começam logo a seguir ao Natal a cantar as Janeiras, continuando a fazê-lo até ao dia de Reis. Misturam letras e músicas, mais ou menos antigas, com canções veiculadas pela televisão. Todavia estas cantigas têm ainda um cunho de originalidade e lembram as Janeiras de tempos passados que, à semelhança de outros acontecimentos do calendário, litúrgico ou não, eram esperados ansiosamente e cujas celebrações ajudavam a quebrar a rotina.

http://www.youtube.com/watch?v=3j8JnmpDM4Y&feature=related

Ver neste endereço no Youtube grupo cantando as Janeiras

Juntavam-se os vizinhos, rapazes por um lado, raparigas por outro (estas quando os pais o permitiam) e ensaiavam as Janeiras, cantigas ao Deus Menino, mas para pedirem as boas-festas. De preferência, escolhiam as casas mais abastadas e próximas; e não podia haver demoras que as noites além de curtas eram frias. Seria, apenas, necessário acertar junto de cada casa a visitar quais as quadras que aí se cantariam, isto em função dos moradores das mesmas, que em terra pequena todos se conheciam. Se houvesse visitas, bom seria que se soubesse, para evitar omissões e cativar ainda mais a família visitada. A maior responsabilidade cabia àquele ou aquela que iria "versar", que para tal deveria possuir uma boa voz e uma boa dose de coragem para cantar a solo, alternando com o coro que cantaria o refrão. E era precisamente pelo refrão que o grupo se fazia anunciar, cantando em uníssono:

São João s’ alevantou
uma vela se acendeu
adorar o Deus Menino
q’a meia-noite nasceu

Após ter sido dado o sinal de presença, cantava-se uma primeira quadra, dedicada à família em geral, e os primeiros elogios começavam a fazer-se ouvir.

Ainda agora aqui cheguei
Já pus o pé na escada
Logo o meu coração disse
Que aqui mora gente honrada.

Nós não vimos pelas Janeiras
Nós Janeiras cá trazemos
Vimos pelas obrigações
Que a esta casa devemos.

E passava-se a saudações individualizadas, respeitando-se a hierarquia da família, pelo que em sociedade patriarcal, o lugar de honra era para o pai.

De quem é aquele chapéu
Que além tá dependurado
É do dono desta casa
Que é bonito como um cravo.

Viva lá senhor Manuel
Usa o seu chapéu direito
Quando vai pela rua fora
Todos lhe guardam respeito.

A saudação seguinte pertencia à dona da casa, elogiando-se-lhe a beleza ou até a bondade.

Viva lá minha senhora
Raminho de salsa crua
Quando chega à janela
Põe-se o sol e nasce a lua.

Viva lá senhora Maria
Raminho de palma branca
Ainda anda neste mundo
Já no céu é uma santa.

Sucediam-se, depois, as dedicatórias aos filhos e filhas, e a outras pessoas, com indicação, se possível, dos nomes, como por exemplo:

De quem é aquele anel d'oiro
Com pedrinhas ao redol
É do menino João
Que é bonito como o sol.

Viva lá menina Rita
Suas faces são romã
Seus olhos são mais galantes
Do que a estrela da manhã.

Era então chegada a hora de se fazer uma alusão directa à tão esperada compensação. E o alvo, uma vez mais, era a dona da casa, detentora da chave da despensa.

Levante-se minha senhora
Desse banco de cortiça
Venha-nos dar as janeiras
Ou morcela ou chouriça.

Levante-se lá senhora
Desse banquinho de prata
Venha-nos dar as janeiras
Que está um frio que mata.

E, ao ouvirem passos, cantavam sem mais demora:

Alegrai-vos companheiros
Que eu já sinto gente a andar
É a senhora desta casa
Que nos vem a convidar.

Como a dona da casa correspondesse, agradeciam, desde logo, a cantar:

Ó que estrela tão brilhante
Que vem dos lados do norte
À família desta casa
Deus lhe dê a melhor sorte.

Caso tal não acontecesse, seguiam-se os apupos.

Trinca martelo
Torna a trincar
Barbas de chibo
Não tem que nos dar.

No fim da caminhada distribuia-se entre todos o que se fora recebendo, normalmente castanhas, nozes, maçãs e, para os rapazes mais graúdos, caso a sorte os favorecesse, chouriça, morcela ou dinheiro. Ou optava-se por ir guardando o que se recebia em cada uma das noites, fazendo-se festa rija no final da época.

Segue-se então as Janeiras cantadas em quadras compostas por amigos poetas, que corresponderam ao convite que lhe enderecei pelos Reis em 2011, assim:

Vamos cantar as Janeiras!

Vamos cantar as Janeiras sem errar
pedir paciência para apertar o cinto
com a crise em todo o lado a agravar
dêem lá umas chouriças e um tinto!

Arlete Piedade

Gosto de cantar, na viola tocar
Afinando as Janeiras no recinto
Amedrontar os que andam a sacar
E pôr termo ao aperto do cinto

Pinhal Dias

Cantemos as Janeiras sofridas
Calculadas no apertar do cinto
Repelir as promessas atrevidas
Nos políticos já não me finto.

São Tomé

E se as chouriças e um tinto te animar
A esquecer as maldades do poder
Que estas Janeiras te dêm pra enfardar
E o cinto alargares, pra mais caber!

Eugénio de Sá

Janeiro é o mês dos gatos
De festas e borracheiras
Enchem-se copos e pratos
E há quem cante as Janeiras

Ah Janeiro d'outros tempos
Pintado de cores festeiras
Sabem lá quantos lamentos
Se esqueciam, c'o as Janeiras!

Tu vê lá se tens maneiras
E se és mais respeitador
Lá por cantares as Janeiras
Não penses que és meu amor

Que eu não dou o meu amor
A quem tem tantas peneiras
Vem daí, ó meu tenor
Vamos cantar as Janeiras

Eugénio de Sá

Venham cantar que quem canta
Venham cantar as Janeiras!
Quem tiver boa garganta
Ofereço duas cacholeiras.

Aires Plácido

Vamos cantar as Janeiras
Mesmo enfrentando o "grise"
Seremos as pioneiras
A derrubar esta crise.

Com calma e muito tino
Controlando as ambições
Vamos cantar as Janeiras
Para aquecer os corações

Se não nos puderem dar
As chouriças do costume
Pedimos só para entrar
E nos aquecer ao lume

Não pensaremos no mau
Em amena cavaqueira
Tragam de lá mais um pau
Para arder nesta fogueira

Vamos cantar as Janeiras
Depois de bem aquecidos
Com um copinho de tinto
Já estamos agradecidos

Manuela Baptista

A carestia a chegar pra todo o ano
Até o açúcar nos está a faltar
Como poderemos vencer este dano
Se o patrãozinho não nos ajudar?

Maria da Fonseca

Senhor de tão bela casa,
as Janeiras vimos cantar
se tiver chouriço na brasa,
talvez nos queira ofertar.

Seja ele branco ou tinto
qualquer um iremos aceitar
Esqueça-se lá do cinto
que não o queremos apertar.

Nós agradecemos o chouriço
mais o branco e o tinto,
obrigado senhor, esqueça isso
de ter de apertar o cinto.

Francis Ferreira

Em coro vamos cantando
No borralho aquecidos,
As Janeiras vão girando
E nós andamos perdidos.

Vai um trago p’ra aquecer
Da vida pobre e dorida
Cantando para esquecer
As tristezas desta vida.

Manuela Silva Neves

Vamos cantar as Janeiras
Pelas portas da saudade
Onde as miúdas lampeiras
Vinham ver-nos com vontade

Vamos dizer "estamos vivos
Não perdemos o costume
Vão assar uns dois chouriços
Nós acendemos o lume

Tragam lá umas filhoses
A garrafa da aguardente
E mais o prato das nozes
Prá noite ficar mais quente

Tragam pão e tragam passas
Tragam vinho tinto ou branco
Vamos esquecer desgraças
Estamos fartos, isso é franco"

Vamos cantar as janeiras
Queremos festas, arraiais!
Venham as moças solteiras
Não acordem vossos pais!

Joaquim Sustelo

Ainda agora o novo Ano começou
Já andamos todos amedrontados
O aumento do IVA não perdoou
Os cintos cada vez mais apertados.

Vamos lá cantar ao MENINO
A pedir força e protecção
Destes políticos bonzinhos
Que manteêm a sua tradição.

Vamos cantar as Janeiras
Como manda a tradição
Não nos aquecemos em lareiras
Porque essas também já lá vão

Vamos cantar as janeiras
E bater de porta em porta
Para um Bom Ano desejar
Quem sabe se um tintinho
Não me deixa na crise pensar.

Mas eu p`lo sim p`lo não
Vou levar meu taleguinho
Mesmo que venha vazio.
Cumpri a minha Tradição.

Leo Marques

Venho cantar as janeiras
Assim manda a tradição
Canto com boas maneiras
É da minha condição

Esta noite, noite escura
Está a terra orvalhada
Bato á porta da fartura
Porque já não tenho nada

Sobem preços sem parar
O imposto e a gasolina
E sobe mais um lugar
O ministro que domina

Aos senhores da casa grande
Onde brilham os cristais
Peço que esta crise abrande
Porque já não posso mais

Também peço um par de botas
E camisolas de malha
Porque as minhas já estão rotas
E em casa ninguém trabalha

Nesta noite de janeiras
Peço vinho e peço broa
Peço também as alheiras
Pra não vir aqui á toa

A noite está gelada
Senhores da moradia
Canto á beira da estrada
Com a carteira vazia.

Já que venho aqui cantar
Nesta noite de louvor
Quero somente lembrar
Trabalho não é favor.

Desça dessa escadaria
Por favor, vossa excelência
Pois com esta carestia
já perdi a paciência

Estou cansada de esperar
Por quanto tenho direito
Se a janeira demorar
Farei o que não foi feito

Nesta noite, noite santa
Senhores de guarda e escolta
Vou desprender da garganta
O meu grito de revolta

Odete Nazário

Ó crise que és a palavra
Mais dita do dicionário
Tu rasgas na vida a lavra,
Dum virtual, imaginário,

Nuns a crise é virtual
E caminha sobre rodas
Para outros, é mais real…
E pagam as favas todas.

Chegam as presidenciais
Com campanha antes do tempo,
Temos candidatos… a mais!
Todos querem….seu momento,

E seu momento no poleiro
Que mais fazem afinal???
Contam reformas por inteiro
E pouco servem Portugal.

Lídia Frade

Na casa que é Portugal, altaneira em voz de fado
vimos cantar as Janeiras num País atrapalhado
Que os Reis Magos nos valham e a água dos camelos
Pois a crise aperta tanto, que aos chouriços, nem vê-los!

Que família generosa neste palácio encantado!
Passa-nos a mão no bolso, à reforma e ordenado
Se não nos pomos a pau, com um porrete na mão,
Os senhores da casa alta, não dão chouriço nem pão.

E os pastores que se cuidem, a caminho de Bebém
que levem roupa ao Menino, que inda nem roupa tem
Pois com tanto candidato a fingir-se presidente:
Dão 2000 anos de tanga dum governo mendicante

Mavilde Lobo Costa

Sou lisboeta de gema
Não sei cantar as janeiras
Tenho p'ra mim como lema
Preferir o verão soalheiro.

Liliana Josué

Neste início de Ano Novo,
Com Janeiro a tiritar,
Vamos cantar com o povo,
Boas Festas desejar.

Vamos cantar a alegria,
Que a tristeza já não serve.
Com esperança, energia,
A Fé em Deus se conserve.

Com esperança, cantaremos,
Brindaremos ao Futuro,
E a vida celebremos
Com bolo e vinho maduro.

Celebremos esta vida -
Do Senhor, bênção, ao Mundo -
Numa canção comovida
Em coro de amor profundo.

Cantemos pra desejar,
A todos, Festas Felizes,
Um Bom Ano, a transbordar
De paz, amor e petizes!

Ilona Bastos

Cantar as Janeiras á Desgarrada
Pinhal Dias / Conceição Tomé

Vamos cantar as Janeiras
D’Amora até Ribatua
Que é terra de laranjeiras
Mirando a linha do Tua

Vamos cantar as Janeiras
Pelas ruas empedradas
Vamos comer as alheiras
Ao fumeiro penduradas

Viemos cá, chegamos agora
Rimando com os amigos
Recordados em Amora
A vivência dos antigos

As vozes são como tal
Essa linha nos abraçou
Na viola tocou Pinhal
O povo também cantou

Janeiras do cancioneiro
Nosso povo s’enamora
Cantadas no mundo inteiro
Ali, aqui e agora…

Cantamos lindas canções
Debaixo da neve fria
Alegramos corações
Com um vinho malvasia

Em Cabo Verde não há Janeiras
Bem gostaria de entrar
na onda e como louco cantar
mas com a arte a faltar
só me resta sossegado calar

Em Cabo verde não tem Janeiras
Só se canta mornas e coladeiras
Como sair desta s peneiras
Sem dizer muitas asneiras?

João Furtado

Em Cabo Verde não há Janeiras
mas canta-se bem á amizade
com muitas mornas e coladeiras
pela noite fora, até ser tarde

também se partilha a cachupa
com o bom milho e o feijão
um copinho de aguardente
podes oferecer-nos, João!

Arlete Piedade


Janeiras no Brasil:

Nas Minas Gerais tem palmeiras
Mata verde de um campo bonito
Pedindo a proteção das alegorias
Ambiental da natureza do palmito

Dêem lá umas chouriças e um tinto!
Abatendo uma robusta leitoa assada
Dos comes e bebes que já não minto
Nas algazarras dos Reis das manada

Giovania Rocha

As janeira vou cantar
um passo pra lá, dois pra cá
com Jesus no coração
é a alegria dos irmãos

com o pandeiro na mão
as janeiras vou cantar
sem comer, daqui não saio
arroz doce, vatapá

batata assada na brasa
oro a Deus peço perdão
pois cantar janeiras
é a alegria do sertão

Telma Ellos

Não importa quantos tombos
Cabeças erguidas vamos subindo
Pouco que temos vamos repartir
Com irmãos menos favorecidos

Varenka de fátima Araújo

I

Janeiras, janeiras... Nova esperança, novo alento!
Para todos arrancarei cantos d’alma... Dolentes...
Enquanto o perfume de panelas fumegantes,
Vigiadas pelas merendeiras, vai fazendo morada em meu peito!

II

É preciso apressar o passo, as Janeiras me chamam...
Quero com elas abrandar almas que sofrem secar seu planto,
Quando ecoar o canto do meu canto!
Molhando, de quando em quando, os lábios, num vinho do porto!


III

Chega a hora das Janeiras, de entoar lindas melodias...
E entre um acorde e outro, vou molhar as palavras,
Com uns bons cálices de vinho do porto...
Para que fiquem ainda mais tenras...

IV

Vou cantar as Janeiras, na beira das estradas, sob as janelas abertas,
Ouvindo o chiar das panelas, libertando-se por elas,
Vou alimentar as almas dos meus, com nossas melodias...
Com um olho na viola, e o outro no cozido nas panelas chiadeiras!

V

Janeiras, Janeiras, libertem meu canto,
Dêem asas á minha fé, á minha gratidão,
Á Deus que refaz o tempo do meu tempo na terra,
Avivando a força e a vida em meu coração!

VI

Esperei ano após ano, as Janeiras...
Onde o canto se fazia fé e festa!
Onde se reuniam famílias inteiras,
Diante de fartas mesas, de comunhão e guloseimas...

VII

O tempo das Janeiras em nossas vidas, não pode ser passado...
A música lado a lado com uma fé tão imorredoura,
As pessoas irmanadas, em esperanças e felicidade...
Ás Janeiras canto agora, mesmo sozinho, mais um mouse e um teclado!

Edvaldo Rosa

A todos os poetas e amigos participantes, o meu muito obrigado, e votos de um Feliz e Próspero Ano de 2013!

Arlete Piedade





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